“Nossos irmãos estão desnorteados
Entre o prazer e o dinheiro desorientados
Mulheres assumem a sua exploração
Usando o termo mulata como profissão
É mal.. (Chegou o Carnaval, Chegou o Carnaval)
Modelos brancas no destaque
As negras onde estão?
Desfilam no chão em segundo plano
Pouco original mais comercial a cada ano
O carnaval era a festa do povo
Era…mas alguns negros se venderam de novo
Brancos em cima negros em baixo
Ainda é normal, natural, 400 anos depois (…)
Bem vindos ao Brasil colonial e tal…”
Entre o prazer e o dinheiro desorientados
Mulheres assumem a sua exploração
Usando o termo mulata como profissão
É mal.. (Chegou o Carnaval, Chegou o Carnaval)
Modelos brancas no destaque
As negras onde estão?
Desfilam no chão em segundo plano
Pouco original mais comercial a cada ano
O carnaval era a festa do povo
Era…mas alguns negros se venderam de novo
Brancos em cima negros em baixo
Ainda é normal, natural, 400 anos depois (…)
Bem vindos ao Brasil colonial e tal…”
Voz
Ativa, Racionais Mc’s.
Deve-se enegrecer/esclarecer a questão apresentada
no verso dessa música que afirma que a mulher assume a sua exploração; é
possível, sim, que ela assuma, mas não se trata de uma escolha deliberada ou
livre, pois não existe escolha pura em uma sociedade onde as mulheres antes de
se colocarem, ou se perceberem no mundo como indivíduos, são diretamente
associadas a objetos para saciar o desejo masculino. Principalmente a mulher
negra, que “assume” esse papel desde o tempo da escravidão até os dias de hoje.
Logo, com essa questão resolvida, vamos ao trabalho árduo de pensar sobre o
papel da mulher negra na mídia brasileira.
Acompanhando recentemente o concurso para eleger a
nova Globeleza (mulher que deve representar a rede Globo no carnaval como a
famosa “mulata” ícone do carnaval), tive duas reações primárias: primeiro me
surpreendi com o número grande de negras na televisão, porque é algo que não
acontece sempre e,segundo, percebi a total sexualização dos seus corpos, que se
acentuou com a foto divulgada no instagram da atriz negra Sheron Menezes, onde
ela exibe as mulheres de costas, apenas com a bunda em destaque quase como um
troféu, como se a mulher só fosse isso: um corpo pra ser usado.
Alguns disseram: que bom, enfim o negro está
adentrando a televisão. Outros, não ingênuos e mais acostumados com as
artimanhas da rede Globo, não acharam algo tão bom assim. Porque, infelizmente,
a mulher negra só aparece na televisão em dois momentos: ou é
escrava/doméstica, ou é mulata no carnaval e nas duas visões ela está sendo
colocada a serviço do homem branco. É bom que conheçam a raiz desse termo
“mulata” e saibam que ele não é bom como muitos pensam. O termo ‘mulato’ vem
das palavras em espanhol e português para a mula, que baseiam-se no termo em
latim mulus que significa a mesma coisa. A mula é o produto resultante do
cruzamento do cavalo com burra, ou seja, passou a aplicar-se ao filho de homem
branco e mulher negra. O termo mulata tem raiz baseada em um animal, igualmente
como o “criolo”, termo que se usava pra designar os negros antigamente, que
também era o nome de uma raça de cavalo.
O ‘criolo’ não é mais usado tão livremente, mas se
adotou o ‘mulata’ como um termo bonito e nada pejorativo. Não é só um nome
porque é carregado de história, uma história que demonstra que a mulher negra
está ali a serviço dos indivíduos que só a aceitam se ela estiver limpando seu
chão, carregando carga, ou rebolando no seu colo, pois esse é o jeito que um
bom animal domesticado deve agir. A mulher negra é tratada constantemente como
um animal e um souvenir que o turista vem buscar no carnaval: “Venham turistas,
temos mulheres negras gostosas para oferecer a vocês! Também temos boas
empregadas pra limpar as suas sujeiras!”
Sim, sabemos que 125 anos se passaram e a
escravidão acabou, porém as suas práticas continuam bem vindas e são aplaudidas
por muitos de nós na novela das nove e no programa do Faustão, “pouco original,
mas comercial a cada ano”. No tempo da escravidão, as mulheres negras eram
constantemente estupradas pelo senhor branco e carregavam o papel daquela que deveria
servir sexualmente sem reclamar, nem pestanejar e ainda deveria fingir que
gostava da situação, pois esse era o seu dever. Hoje nós, mulheres negras,
continuamos atreladas àquela visão racista do passado que dizia que só
servíamos para o sexo e nada mais.
O mais problemático é que usam essa imagem do negro
na televisão tentando nos enganar como se nos aceitassem, que estão nos
colocando na televisão por boa vontade, que a mulher que está nessa situação
“escolheu isso deliberadamente”. Mas esquecem de informar que nos concursos de
beleza como Garota Fantástica, Musa do Brasileirão, Musa do caldeirão e etc.
Concursos da mesma emissora, igualmente machistas e estúpidos, que representam
a beleza padrão, não apresentavam nenhuma mulher negra entre as concorrentes.
Por que será? Simplesmente porque a mulher negra não representa a beleza
padrão, ela representa o sexo, o selvagem, o folclórico.
Se não for isso ela é invisível, se acaso ela não
trabalhe por esses padrões pré-estabelecidos pela mídia. Até no carnaval,
quando deixou de ser uma festa do povo, desde que eu me conheço por gente na
verdade, raramente vejo uma mulher negra como destaque de escola de samba,
apenas mulheres brancas, “famosas” que podem até, em sua maioria, nem saberem o
que é carnaval, mas estão na avenida. Enquanto as negras que moram dentro da
comunidade onde a escola trabalha seu show o ano inteiro, saem sem destaque,
sem câmeras, sem atenção.
Todo o ano quando o carnaval está pra chegar, eu me
preparo psicologicamente pra chuva de estereótipos, de encargos sociais e de
hiperssexualização da mulher negra. Não me levem a mal, eu adoro o carnaval,
mas nós como negros não podemos nos acomodar com esse tipo de representação,
fazer como a “querida” Sheron Menezes e apoiar a exploração do corpo da mulher
negra como se isso fosse algo normal. Temos que colocar o pé no chão, pois por
mais que se pareça com, isso não é o Brasil Colônia e não somos mais escravos:
é nossa vez de lutar contra o racismo de modo inteligente, não dando ibope para
os racistas da rede globo, nem naturalizando o lugar do negro em lugar de
inferioridade.
Zumbi, Dandara, Mandela e tantos outros lutaram
para que o racismo não tenha voz em tempos consideravelmente mais pesados que
esse. Então nesse momento é a nossa vez de dar as cartas e reverter o jogo.
Como dizia o poema Oliveira Silveira: “Querem que a gente saiba que eles foram
senhores e nós fomos escravos. Por isso te repito: eles foram senhores e nós
fomos escravos. Eu disse fomos.” Não é a Globo, a Sheron, a novela, os turistas,
ou o que seja, que vai nos dizer o contrário: não somos mais escravos, por
isso, negros e negras, não aceitem essa colocação.
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