Quando um medicamento causa efeitos colaterais, esta informação muitas
vezes não é exposta durante anos, o que permite à indústria farmacêutica
continuar ganhando muito dinheiro.
O Food and Drug Administration (FDA) [órgão governamental dos EUA para
alimentos e medicamentos] e a indústria farmacêutica argumentam que os efeitos
colaterais perigosos em uma droga só aparecem quando é usada por milhões de
pessoas – e não no grupo relativamente pequeno de pessoas que fazem testes
clínicos. Mas existe outra razão pela qual os consumidores acabam sendo
cobaias. Os remédios são levados apressadamente ao mercado, após um período
muito curto (de apenas seis meses) para que a indústria possa começar a ganhar
dinheiro, enquanto a segurança ainda está sendo determinada.
Tanto a droga para os ossos Fosamax, repleta de
riscos, quanto a analgésica Vioxx, ambas da indústria Merck, foram ao
mercado após seis meses de revisão. No caso da Vioxx, isso ocorreu porque “o
medicamento potencialmente provia uma vantagem terapêutica sinificativa sobre
outras drogas já aprovadas”, disse a FDA.
Obrigado por isto. E cinco drogas (Trovan, Rezulin, Posicor, Duract e Meridia), que entraram no
mercado em 1997 por pressões da indústria e do Congresso sobre a FDA, diz
a PublicCitizen, foram em seguida retirados.
Abaixo, algumas drogas cujos riscos não impediram que seus fabricantes
fossem autorizados a colocá-las a venda e exercer seu “valor de patente”.
1. Singulair
Você imaginaria que a Merck aprendesse, após os problemas com Vioxx e a
Fosamax, que marketing agressivo pode esconder apenas por algum tempo os riscos
emergentes das drogas. Mas não. Para vender o Singulair, sua droga contra asma e alergias
para crianças, a indústria fez uma parceria com Peter Vanderkaay, o nadador
medalha de ouro nas Olimpíadas, com acadêmicos e com a Academia Norte-americana
de Pediatras – mesmo após a FDA advetir sobre os “eventos neuropsiquiátricos”
do medicamento, incluindo agitação, agressão, pesadelos, depressão, insônia e
pensamentos suicidas.
Enquanto a Merck fazia a propaganda do
Singulair (que vem em fórmula mastigável e com gosto de cereja), com slogans
como “Singulair é feito pensando nas crianças”, a Fox TV e mais de 200 pais
relataram, no site askapatient [“pergunte
a um paciente”] que suas crianças, ao tomar o remédio, exibiam humor alterado,
depressão e déficit de atenção (ADHD), hiperquinesia e sintomas suicidas. Cody
Miller, um garoto de 15 anos de Queensbury, Nova York, tirou sua própria vida
dias após tomar o medicamento, em 2008. Ainda assim, o Singulair arrecadou 5
bilhões de dólares para a empresa, em 2010. Após sua patente expirar, em 2012,
a Administração de Bens Terapêuticos da Austrália (equivalente à FDA ou à
Anvisa) reportou 58 casos de eventos psiquiátricos adversos em crianças e
adolescentes, primariamente pensamentos suicidas. Quem sabia?
2. Zyprexa
Como vender uma droga que provoca ganho de peso de cerca de 10kg, em 30%
dos pacientes, chegando até 45kg, em alguns? Enterrando seus riscos. O
antipsicótico Zyprexa era a nova
aposta da Eli Lilly, depois de seu antidepressivo campeão de vendas Prozac –
mesmo que o laboratório soubesse, já em 1995, de acordo com o New York
Times, que a droga está ligada a um ganho de peso incontrolável e até diabetes.
Os efeitos colaterais do Zyprexa de “ganho de peso e possível hiperglicemia
fazem um grande mal ao sucesso de longo prazo desta molécula criticamente
importante”, havia escrito Alan Breier, da Lilly, segundo documentos obetidos
pelo jornal. Mais tarde Alan tornou-se médico-chefe da empresa.
Mesmo após a Lilly ter pagado multas, após acusada de ocultar
informações sobre a relação entre a droga e altos níveis de açúcar no sangue ou
diabetes (e de ter comercializado ilegalmente a droga para pacientes com
demência), o Zyprexa rendeu 5 bilhões de dólares em 2010, acima até do Prozac.
Quem disse que crime não compensa? O Zyprexa foi especialmente comercializado
para os pobres e virou um dos medicamentos principais do Medicaid, o programa
público de saúde norte-americano, extraindo pelo menos 1,3 bilhões de dólares
do orçamento do país, só em 2005. Em 2008, a empresa estabeleceu um acordo para
cobrir o custo dos pacientes do Medicaid que desenvolveram diabetes após usar a
Zyprexa. Como raposa vigiando galinheiro, a Lilly ofereceu um “serviço
gratuito” para “ajudar” os estados a comprar drogas como a Zyprexa para doenças
mentais — e vinte deles aceitaram a oferta. A patente do remédio acabou em
2012.
3. Seroquel
O antipsicótico Seroquel, produzido pelo
laboratório AstraZeneca, do Reino Unido, tornou-se um dos medicamentos mais
vendidos nos EUA, arrecadando mais de 5 bilhões de dólares em 2010, apesar de
seus riscos, frequentemente
relatados. O remédio foi comercializado tão vastamente para crianças pobres
que, em 2007, o Departamento de Justiça para a Juventude da Florida comprou
duas vezes mais Seroquel que Advil. Sua elevada aquisição no serviço militar,
para usos não aprovados — como para estumular o sono e para distúrbio de
estresse pós-traumático (PTSD) — também foi espantosa. Relatos de mortes
repentinas de veteranos que utilizavam a droga emergiram quando as compras do
Seroquel pelo Departamento de Defesa dos EUA cresceram 700%.
Poucos meses após a aprovação da Seroquel, em 1997, um artigo no Jornal
de Medicina de Dakota do Sul já levantava questões sobre a interação
perigosa da droga com outros onze medicamentos. Passados três anos,
pesquisadores da Cleveland Clinic questionavam o efeito da Seroquel na
atividade elétrica do coração. Mas mesmo quando as famílias de veteranos
falecidos prestaram testemunhos em audiências no FDA, em 2009, e exigiram
respostas de dirigentes e legisladores, o órgão protegeu a empresa. Depois, em
2011, com pouco alarde, o FDA emitiu novos avisos que confirmavam as notícias
devastadoras: tanto o Seroquel quanto sua versão estendida, que fora lançada,
“deveriam ser evitados” na combinação com pelo menos outros 12 remédios. A
droga também deveria ser evitada pelos idosos e pessoas com doenças cardíacas,
por causa de seus claros riscos ao coração. Ops… A patente expirou no ano
seguinte.
4. Levaquin
Os antibióticos à base de fluoroquinolona estão entre os mais vendidos.
Muitas pessoas lembram-se do Trovan (na época dos ataques com antrax,
logo após o 11 de setembro), mas a indústria farmacêutica espera que não nos
lembremos de que foi retirado de circulação por causa de danos ao fígado, e
do Raxar, removido por causar eventos
cardíacos e morte súbita. O Levaquin, da Johnson
& Johnson, igualmente baseado em fluoroquinolona, foi o antibiótico mais
ventido nos EUA em 2010, com receitas acima de US$1 bilhão por ano — mas agora
é tema de milhares de processos.
Em 2012, um ano após a patente do Levaquin expirar, uma enxurrada de
efeitos colaterais começou a emergir, sobre este medicamento e toda a classe de
fluoroquinolonas, lançando dúvidas sobre sua segurança. A revista da Associação Médica
Norte-Americana relatou que, de 4.384 pacientes diagnosticados com descolamento
de rotina, 445 (10%) foram expostos a fluoroquinolone no ano anterior ao
diagnóstico. A Revista de Medicina da Nova Inglaterra relatou no
mesmo ano que o Levaquin estava ligado a um risco crescente de morte
cardiovascular, especialmente morte súbita por distúrbios no ritmo cardíaco.
Embora a FDA tenha alertado sobre as rupturas de tendão — especialmente
os tendões de Aquiles — provocadas por fluoroquinolonas em 2008, e adicionado
uma tarja preta de advertência na embalagem, novos avisos graves foram feitos
dois anos após o fim da patente do Levaquin. Em 2013, a FDA advertiu sobre o
“efeito colateral sério de neuropatia periférica” — um tipo de dano nos nervos
no qual as vias sensoriais são prejudicadas — nas fluoroquinolonas. Neuropatias
periféricas causadas por esta classe de antibióticos podem “ocorrer logo após a
administração destas drogas, e podem ser permanentes”, alertou a ageência.
Fluoroquinolonas também estão ligadas aoClostridiumdifficile,
também chamado de C. Diff, um micróbio intestinal sério e potencialmente
mortífero.
5. Topamax
Antes de sua patente expirar, em 2009, a droga Topamax deu à
Johnson & Johnson um bilhão de dólares por ano, e foram mais US$ 538
milhões depois disso. O remédio foi tão preferido, para condições de dor no
serviço militar, que recebeu o apelido de “Stupamax” – uma referência à maneira
com que diminuia os tempos de reação e prejudicava a coordenação motora, a
atenção e a memória, de acordo com o ArmyTimes. Não era muito
bom para o combate…
Um ano antes de cair a patente do Topamax, a FDA alertou que ela e
outras drogas estão correlacionadas com suicídios, e pediu a seus fabricantes
para adicionar avisos na caixa. Quatro pacientes usuários da droga mataram-se,
contra nenhum sob placebo, declarou a FDA após rever os testes clínicos. Já em
2011, o órgão anunciou que o Topamax pode causar defeitos de nascimento nos
lábios, nos bebês de mães que ingerem a droga. “Antes de começar com o
topiramato, grávidas e mulheres em idade fértil devem discutir outras opções de
tratamento com seu profissional de saúde”, alertou o FDA, mas isso não impediu
o órgão de aprovar uma nova dieta de medicamentos contendo o genérico do
Topamax, em 2012.
6. Oxycontin
O Oxycontin, do laboratório
Purdue Pharma, é a avó de drogas que geram muito dinheiro, apesar de seus
efeitos colaterais letais. Junto de outros opióides, ele causou o número
assutador de 17 mil mortes no ano passado — quatro vezes mais que em 2003. “O
aumento [no uso] foi alimentado em parte por médicos e organizações de defesa
de analgésicos, que recebiam dinheiro de empresas e faziam alegações enganosas
sobre a segurança e a efetividade de opióides — inclusive afirmando que o vício
é raro”, relatou o Journal Sentinel. A Sociedade de Geriatras
Norte-Americanos usou pesquisadores ligados à indústria farmacêutica para
reescrever guias clínicos em 2009, diz a publicação. Após reescritos, eles
especificavam opióides para todos os pacientes com dor moderada a severa
Devido a sua fórmula, que lhe permite agir por um longo período,
pensou-se que o Oxycontin teria toxidade e potencial de provocar dependência
reduzidos – ao menos até seus efeitos tornarem-no mais popular que a cocaína
nas ruas (todos os 80mg de pílulas podíam ser tomados de uma vez). Em 2010,
respondendo aos vícios, overdoses e mortes associadas à droga, a Purdue Pharma
desenvolvou um Oxycontin inviolável, e, dois anos depois, passou a pressionar
por leis que exigissem inviolabilidade de todos os opiácios. A empresa garantiu
que sua maior preocupação era a saúde pública, mas muitos se perguntaram sobre
o porquê desta preocupação só se revelar às vésperas do fim da patente da
droga, em 2013…
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