DEPOIS DE MUITO. MAS MUITO TEMPO MESMO VOLTO A COLOCAR ALGO NO MEU BLOG.
Falar de
Billie Holiday é exaltar o nome de uma das maiores cantoras do século XX,
considerada a primeira grande dama do jazz de todos os tempos, dona de uma voz
única e sublime, que arrastava notas e dava à música uma nova roupagem em suas
interpretações, influenciando uma legião de cantoras no mundo todo e perdurando
seu legado por mais de cinco décadas após sua morte. Nasceu em 07 de abril de
1915, na Filadélfia, nos Estados Unidos. Teve uma infância humilde e
conturbada, fomentada pelo desamparo materno, pelas dificuldades financeiras,
pelo abuso sexual, passagens a reformatórios e iniciação à prostituição na
adolescência. Sua mãe, Sarah Harris, muito pobre, separada do marido, não tinha
condições de cuidar da filha, deixando Billie, que era até então apenas
Eleonora Harris, seu nome de batismo, sob os cuidados da meia-irmã que, por sua
vez, passou a menina para a responsabilidade de sua sogra. A pequena futura
grande diva da música também passaria pela experiência de viver num
reformatório. Posteriormente, ao voltar para os cuidados da mãe, onde passou a
ajudá-la no restaurante construído, em Baltimore, seria abusada sexualmente por
um vizinho. Mas, no lugar do homem que a abusou, a própria vítima foi quem
sofreu as consequências, sendo levada novamente para um reformatório. Sim, a
história de Billie é um dramático relato de blues, e não termina por aí. Na
condição de pobre e negra, num país segregado pela discriminação racial, passou
a oferecer serviços domésticos a um bordel local e, consequentemente, a se
prostituir como forma de sobrevivência. E foi num dos quartinhos do bordel onde
Billie trabalhava que ela, supostamente, ouviu na vitrola um disco de Louis
Amstrong e Bessie Smith, apaixonando-se profundamente pelo som de ambos, que
seriam as suas maiores influências musicais. A partir daí o espírito jazzístico
passara a nutrir sob a alma blue da jovem, que começou a cantar no mesmo bordel
de Baltimore. Em 1929, foi detida ao lado da mãe e de outras prostitutas,
passando cem dias num reformatório. Logo depois, vai morar no Brooklyn com a
mãe, atuando como cantora em bordeis e boates da cidade, como também nos Queens
de Nova Iorque. Em 1933, a carreira de Billie tomaria o primeiro grande impulso
quando foi ouvida pelo produtor John Hammond, num pequeno clube nova iorquino.
Hammond teria ficado impactado com a sensibilidade vocal da jovem cantora, na
época, ainda com 17 anos. Em novembro, vai para o estúdio pela primeira vez,
acompanhada pela orquestra clarinetista de Benny Goodman. O nome Billie Holiday
surgira por conta do pai da cantora, Clarence Holiday, um guitarrista de Baltimore,
de quem Eleonora passou a usar artisticamente o sobrenome. Já para o “Billie”,
há duas versões: a primeira, de que o pai da jovem costumava chama-la de Bill,
e daí fez o salto; e a segunda, porque a cantora, quando menina, adorava ir ao
cinema para assistir a atriz Billie Dove, grande estrela do cinema mudo.
Pode-se dizer que os anos 30 e 40 foram o grande apogeu da cantora, que deixou
em vida mais de 130 gravações, ao lado de grandes orquestras jazzísticas como
as de Duke Ellington, Cout Basie e Teddy Wilson, assim como parcerias,
posteriores, com o pianista Oscar Peterson e o baixista Ray Brown, na década de
50. Viveu uma vida turbulenta, cercada por altos e baixos, impulsionados por
seus conturbados relacionamentos amorosos, que resultaram em três casamentos
com homens oportunistas e violentos, e pelo vício degradante de drogas e
bebida, o que afetaria, pouco a pouco, sua saúde física e a jovialidade de sua
voz, que já na década de 40 mostrava sinais de declínio. Mesmo tornando-se uma
grande estrela reconhecida internacionalmente, Lady Day, apelido concedido pelo
amigo e saxofonista Lester Young, sofreu constantes discriminações em passagens
por hotéis e restaurantes, por sua condição de mulher negra, revelados pela
própria em entrevistas. “Strange fruit”, composição de Lewis Allan, pseudônimo
do escritor Abel Meeropol, judeu comunista de Nova Iorque, e eternizada na voz
de Billie, em 1939, relata como nenhuma outra a grande violência regida contra
os negros, e tornou-se um símbolo da luta contra a discriminação racial. O
fruto estranho citado na música fazia alusão aos linchamentos ocorridos
principalmente no sul dos Estados Unidos, onde os corpos dos negros linchados
ficavam expostos pendurados numa árvore. O mais assustador é deparar com as
fotografias antigas da época e ver a naturalidade das pessoas frente aos
cadáveres. O mesmo impacto fez com que Lewis Allan se inspirasse na letra de
“Strange fruit”. Em 2012, foi lançado no Brasil o livro Strange fruit: Billie
Holiday e a biografia de uma canção, escrito pelo jornalista David Margolick,
com tradução de José Rubens Siqueira, editado pela Cosaic Naify, que reflete
sobre a emblemática canção no momento de seu lançamento e todo o seu contexto
histórico ligado à violência contra os negros nos Estados Unidos e a sua
influência com o passar das décadas. Nos anos 50, quase esquecida pelo público,
pelos empresários e pelas gravadoras, embora na Europa seu nome ainda cativasse
as plateias, após sua volta aos Estados Unidos Billie decide escrever sua
autobiografia como estratégia de marketing para que seu nome fosse novamente
impulsionado na grande imprensa norte-americana de forma positiva, já que os
últimos anos, agravados pelos excessos relacionados ao consumo de drogas e
bebida e passagens pela prisão, tinham desfavorecido sua popularidade. O que
seria a autobiografia intitulada Lady sings the blues, nem sequer foi, de fato,
escrita. O jornalista Willian Dufty, o escritor fantasma contratado pelo
terceiro marido de Billie, supostamente interessado em faturar em cima do nome
da esposa, apresentou um trabalho biográfico um tanto quanto falseado e
apelativo, beirando a comiseração, sabendo que tais ingredientes estimulariam
as vendas. Contudo, a autobiografia romanceada de Lady Day ao menos devolveu um
pouco da fama à cantora, que se mostrava cada vez mais vulnerável e com a saúde
debilitada. Embora os últimos anos de Billie tenham sido depressivamente
instáveis, com passagens mal sucedidas em clínicas de reabilitação e
experiências nada agradáveis com a justiça, é possível encontrar belos achados
daqueles anos na internet, em apresentações na Europa e nos Estados Unidos,
como em 8 de dezembro de 1957, no The sound of jazz, programa estadunidense de
grande audiência na época, nos estúdios da CBS, onde foi convidada para cantar,
ao lado do saxofonista Lester Young, a canção “Fine and mellow”. Considerado um
dos melhores registros da última década de sua vida. Na manhã do dia 17 de
julho de 1959, morria, aos 44 anos, a primeira grande dama do jazz. E, como no
caso de outros artistas que partiram cedo, a morte de Billie apenas alavancou
ainda mais sua popularidade e fez de Lady Day uma das maiores lendas do jazz de
todos os tempos. Onde quer que se fale sobre o gênero, é quase inevitável que
seu nome seja citado. (Fonte: Márwio
Câmara,10/05/2013)
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