sábado, 17 de agosto de 2013

Contracepção desinformada

Pesquisa feita com alunos de escolas públicas e privada da região metropolitana de São Paulo mostra que adolescentes usam a pílula do dia seguinte sem conhecer bem suas indicações, seus efeitos colaterais e sua eficácia.
Publicado em 15/08/2013 | Atualizado em 15/08/2013

A pílula do dia seguinte não deve ser usada com freqüência, pois pode provocar efeitos adversos e sua eficácia pode diminuir. (foto: Marcos Santos/ USP Imagens)
Em junho deste ano, a venda da pílula de contracepção de emergência, conhecida como pílula do dia seguinte, foi liberada para menores de 17 anos nos Estados Unidos, após quase dez anos de tramitação do processo no Congresso norte-americano. No Brasil, esse método contraceptivo já é vendido em farmácias sem restrições e, desde o início do ano, começou a ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – para qualquer faixa etária – sem a exigência de receita médica e de forma assistida.
Embora nem sempre acessível, a pílula do dia seguinte é bem conhecida dos adolescentes. Mas informações sobre sua indicação, seus efeitos colaterais e sua eficácia ainda não são entendidas com clareza. As conclusões são de uma pesquisa realizada na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) com 705 alunos entre 15 e 19 anos de escolas públicas e privadas do município de Arujá, região metropolitana do estado.
Um dado preocupante é que 57,7% dos adolescentes entrevistados disseram já ter recorrido à contracepção de emergência
O estudo, feito durante o mestrado da obstetriz Christiane Borges na USP, baseou-se em um questionário realizado em maio de 2011 que continha dez afirmativas sobre a pílula do dia seguinte, às quais os alunos deveriam atribuir os termos ‘verdadeiro’, ‘falso’ e ‘não sabe’. O resultado mostrou que 92% dos adolescentes já tinham ouvido falar desse método. “Mas a grande maioria não conhecia aspectos importantes associados à pílula, como seu modo de aplicação ou sua eficácia”, conta a pesquisadora.
Outro dado preocupante é que 57,7% dos adolescentes entrevistados disseram já ter recorrido à contracepção de emergência, embora não tenham sido relatados casos de uso abusivo. Segundo Borges, a maioria fez essa opção por insegurança, causada pela falha ou descontinuidade de outros métodos contraceptivos que já vinham sendo usados anteriormente. “Adolescentes costumam associar o método contraceptivo ao tipo de relacionamento que têm no momento”, explica a obstetriz. Em relacionamentos mais longos, por exemplo, é comum que o uso da camisinha seja substituído pela pílula anticoncepcional.

Informações pouco confiáveis
Segundo a pesquisadora, também preocupa o fato de o profissional de saúde ter sido pouco citado pelos adolescentes como fonte de informação sobre a pílula do dia seguinte. “Existe, sim, uma vontade de saber mais sobre o assunto, mas muitos desses adolescentes buscam informações em lugares pouco confiáveis”, lamenta.
Para 48,2% dos estudantes, grande parte das informações sobre a pílula do dia seguinte veio de conversas e trocas de experiências entre amigos. Isso mostra segundo Borges, que muito do conhecimento dos adolescentes sobre a contracepção de emergência é fragmentado, além de não ser confiável.
Entre os entrevistados, as meninas mostraram maior conhecimento sobre a pílula do dia seguinte. Para a obstetriz, isso pode ser resultado da atribuição da responsabilidade pela adoção de métodos contraceptivos à mulher e também do fato de este ser um método de uso feminino.
A pesquisa mostrou ainda que apenas 6,8% dos adolescentes buscaram a contracepção de emergência no serviço público, enquanto 74,6% compraram a pílula na farmácia. Os adolescentes que recorreram ao SUS relataram algumas barreiras em relação à obtenção da pílula. Além disso, em alguns casos, o medicamento estava indisponível nos postos de saúde.
Com a disponibilização da contracepção de emergência sem receita médica pelo SUS a partir do início deste ano, o acesso gratuito a esse método e a informações seguras sobre ele pode ser ampliado. Quando uma mulher procura o serviço público de saúde em busca da pílula do dia seguinte, os profissionais prestam orientações sobre a aplicabilidade e o uso responsável desse método contraceptivo e destacam que ele deve se restringir a situações de emergência, para evitar uma possível gravidez.
Paixão: Um dos erros mais corriqueiros é o uso freqüente da pílula de contracepção de emergência
A ginecologista Ana Cristina Paixão, do Instituto Fernandes Figueira (IFF/ Fiocruz), alerta sobre os riscos do uso da contracepção de emergência sem a orientação adequada. Segundo ela, um dos erros mais corriqueiros é o uso freqüente da pílula. Apenas uma dose do medicamento carrega uma alta quantidade de hormônios, que podem alterar o ciclo menstrual. Além disso, a ginecologista ressalta que a eficácia da pílula do dia seguinte diminui com o uso de doses sucessivas. “A informação é muito importante para a conscientização da população de que a pílula é um método de socorro e não de utilização habitual”, reforça.
Paixão comenta que existe uma dificuldade de acesso aos serviços públicos de ginecologia, principalmente quando se trata da faixa etária dos adolescentes. “Apesar da grande procura, são poucos os serviços de referência em atendimento a adolescentes e buscar informação adequada fica complicado”, diz a ginecologista. E completa: “Essa falta de cobertura tem seu preço: eles passam a tomar medicações de forma inadequada.”

FERNANDA TÁVORA
Ciência Hoje On-line


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