quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dentro das igrejas, fala do Papa sobre preservativo divide jovens

Papa declarou que camisinha é aceitável em certos casos para previnir Aids.
Alguns jovens defendem liberação total, mas outros temem banalização.
Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo
Acho que deveria sim a camisinha ser liberada para todos os casos. Se faz sexo e não tem respeito por quem está do lado, aí está errado. Acredito que se tiver amor, não tem pecado"
Alex Martins, 27 anos
Na semana em que a Igreja Católica sinalizou uma flexibilização em relação ao uso do preservativo para evitar a transmissão pelo vírus da Aids, o G1 ouviu jovens católicos sobre o que pensam a respeito do tema. Enquanto alguns jovens defendem que a Igreja libere a camisinha para todas as situações, outros temem que a iniciativa contribua para uma banalização do sexo.
Em livro lançado nesta terça-feira (23), o Papa Bento XVI afirma que o uso de preservativo é justificado "em certos casos", como por exemplo por prostitutas ou garotos de programa, para reduzir os riscos de contaminação pelo vírus da Aids.
O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, confirmou a opinião do pontífice, mas esclareceu que a declaração não muda a proibição de métodos contraceptivos pela Igreja Católica.
O G1 foi a uma reunião de um grupo de oração em uma igreja de Santo André, no ABC Paulista, na noite de terça e depois conversou com os jovens que estavam presentes. Alguns não quiseram opinar diretamente e preferiram apenas concordar ou discordar das declarações dos demais.
Jovens católicos de paróquia de Santo André após reunião do grupo de oração. Jéssica é a segunda da esqueda para a direita; Denis está ao centro de camiseta preta; Fágner está abaixo dele sentado de blusa azul com mangas claras e calça jeans; Alex está ao lado de Fágner, com agasalho preto; Fábio está sentado à frente com camiseta branca (Foto: Mariana Oliveira / G1)
O metalúrgico Denis Marran, de 22 anos, lidera o coro dos que pensam que, se a Igreja decidiu flexibilizar as regras, a decisão deveria ser geral. "Nós, como Igreja, temos de tirar homossexuais da vida que vivem e trazer para a Igreja. Se o Papa libera, eles podem pensar: para que vou para a Igreja? Homossexualismo é pecado, e o Papa não deveria ter liberado camisinha nesses casos se não pode liberar para todos", diz.
Para ele, a Igreja deveria liberar o sexo antes do casamento em algumas situações: "Acho que quando tem amor, pode sim ter sexo e usar camisinha."
O colega Alex Martins, de 27 anos, concorda: "Acho que deveria sim a camisinha ser liberada para todos os casos. Se faz sexo e não tem respeito por quem está do lado, aí está errado. Acredito que se tiver amor, não tem pecado."
Jéssica Maria Cândido, de 19 anos, tem a mesma opinião dos amigos: "Acho que quando se libera para um tipo de público, tem que liberar para todo mundo." A maioria dos jovens que não quis dar abertamente sua opinião, concordou com os três.
Declaração foi uma 'bomba'
Fábio Machado Oliveira, de 29 anos, integrante do mesmo grupo, discorda. "Devemos orar muito pelo Papa para que volte atrás dessa decisão. Quando vi isso na TV fiquei um pouco constrangido, para mim foi uma bomba", afirmou. Ele diz ser contra o sexo antes do casamento, porque "o sacramento do matrimônio exige castidade".
"A Igreja dá livre arbítrio para cada um escolher seu caminho. Cabe a cada um fazer de acordo com sua consciência. Mas a Igreja é clara quanto à necessidade da castidade", completa Fábio Oliveira.
Durante visita ao Brasil em 2007, o papa disse que a contenção do desejo sexual, entre solteiros e casados, é um caminho para a felicidade. "Deus vos chama a respeitar-vos também no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está destinada aos casados é somente fonte de felicidade e paz na medida em que souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte (símbolo) das vossas esperanças futuras", disse num discurso no Estádio do Pacaembu.
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Coordenador do grupo de jovens de Santo André, Fágner Silva Santos, 20 anos, que trabalha na Cúria da cidade, diz acreditar que a liberação para alguns casos é um passo importante. "Vamos tentar. Deu certo, deu. Deu errado, deu. É uma tentativa para tornar melhor a vida de alguém. Como católicos não temos que julgar, mas colaborar para a vida deles melhorar. É um passo da Igreja, quem sabe para melhor."
'Banalização'
O estudante de medicina Luiz Roberto Brito Catuta, 22, coordenador de um grupo de jovens de Osasco, diz acreditar que a declaração do papa foi "de acordo com a realidade", mas teme uma "banalização". "O uso do preservativo é importante para redução de doenças. É uma estratégia importante. mas é preciso uma vivência cristã verdadeira. Aprovo a decisão em parte. Liberar o uso do preservativo pode ser enxergado como uma banalização. As comunidades cristãs católicas vão precisar discutir a fundo a sexualidade."
Para ele, a Igreja Católica "vinha negligenciando a questão da sexualidade". "Não sou contra a prática sexual antes do casamento, desde que não seja banalizada. Claro que, é preciso amar de verdade."
Uma das coordenadoras de um grupo de jovens de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, Lúcia Eliza Ferreira da Silva, 22 anos, estuda teologia e filosofia, mas trancou o curso para ter experiência de vida religiosa em uma comunidade. Ela é contra ampliar liberação da camisinha para todos os casos pela mesma razão do jovem de Osasco.
"Eu acho [que a posição do papa] é boa para ajudar a controlar e propagar doenças sexualmente transmissíveis. Mas sou totalmente contra liberar em todos os casos, porque acho que pode banalizar. (...) Eu concordo com o posicionamento da Igreja sempre, mas não porque eles dizem. Eu sempre estudo, reflito, para entender o porquê."
"Todo mundo da Igreja sabe que o jovem, no geral, tem vida sexual ativa, porque a própria sociedade impõe isso. É uma grande coragem da Igreja não abrir mão dessa posição por pressão, só porque se sabe que a situação existe", diz Lúcia, que afirma ser "totalmente contra" o sexo antes do casamento.

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