quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Folha Explica a MPB, de Roberto Carlos a Skank; leia trecho

"A música popular brasileira é também uma de nossas reservas mais ricas de afeto, humor, sabedoria." - Arthur Nestrovski - Música Popular Brasileira Hoje
O volume 50 da série "Folha Explica" é voltado para as vozes que cantam, explicam e justificam o Brasil, segundo a definição do organizador do título, Arthur Nestrovski.

Divulgação
Coletânea de 99 textos analisa 99 representantes da música brasileira
Coletânea de 99 textos analisa 99 representantes da música brasileira

"Música Popular Brasileira Hoje" é uma antologia com 99 ensaios sobre 99 representantes da música popular produzida atualmente no país. De Adriana Calcanhoto a Zizi Possi, escritores, críticos musicais e jornalistas traçam um panorama atualizado de um dos maiores patrimônios da cultura brasileira. Leia a introdução do título no trecho abaixo.
Entre os nomes que aparecem no livro estão Chico Buarque analisado pela psicanalista Maria Rita Kehl, Cássia Eller pelo jornalista Sérgio Dávila, Fernanda Abreu por Mônica Waldvogel, João Bosco pelo escritor Moacyr Scliar, Maria Bethânia pela escritora Lya Luft, Bebel Gilberto pelo jornalista Alcino Leite Neto, Sepultura pelo jornalista Lúcio Ribeiro, Rita Lee pelo escritor Milton Hatoum e Zeca Pagodinho por Xico Sá.
Há ainda Roberto Carlos, Skank, Titãs, Ney Matogrosso, Nação Zumbi, Paulinho da Viola, Gal Costa, Lulu Santos, Marisa Monte, entre outros.
Arthur Nestrovski é articulista da Folha, em que escreve sobre literatura e música desde 1992. Autor de "Ironias da Modernidade" (Ática, 1996) e "Notas Musicais" (Publifolha, 2000), e organizador também de "Aquela Canção" (Publifolha, 2005), entre outros livros.
Leia abaixo a introdução do livro:
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Na Zoeira da Banguela
Uma das autoras deste livro, Maria Rita Kehl, costuma dizer que tem dupla cidadania: a brasileira e a da música popular brasileira. A frase multiplica-se em mil ecos, ressoando pelas cavernas da consciência da maioria de nós --de todos nós que, pelos motivos mais variados, e com a devida dose de ambivalência, nos descrevemos como "brasileiros". Vivemos diariamente em dois países: alguns minutos com intensidade, com imaginação, com despregamento, na música popular brasileira; o resto, no outro.
Esses dois países têm quase tudo em comum; mas o primeiro transcende o segundo, fazendo dele um ponto de partida para a construção da nossa república das letras, que é também das melodias, e explica o que o outro não sabe ouvir, em tons impossíveis de não ouvir. "Na zoeira da banguela" (como diz Lenine), "despencando da ladeira", quem não escuta essa "alma brasileira"?1
E quem não sente o peso das aspas, maior ou menor segundo o grau de ironia do artista? E quem de nós pode deixar de aplicar, então, o melhor remédio do mundo para aspas?
Por tudo isso, não haveria tema melhor para comemorar a chegada ao volume 50 desta série, autodefinida como uma enciclopédia (para sempre em construção) de assuntos de todas as áreas, explicados "num contexto brasileiro". E mais, "uma enciclopédia de vozes também: as vozes que pensam, hoje, temas de todo o mundo [?] neste momento do Brasil". Nada mais justo que as vozes se voltem, agora, para as vozes que cantam --que explicam-- que justificam o Brasil.
É bom esclarecer logo que o livro não é uma enciclopédia2, nem tem pretensão de definir um cânone da música popular brasileira hoje. Trata-se, menos sistematicamente, de uma antologia de 99 comentários, sobre 99 nomes da nossa música.3 Na soma de assuntos, cria-se um panorama do cenário atual; mas o livro deixa de fora dezenas de compositores, cantores e instrumentistas que estariam aqui se o limite de tamanho fosse outro.
Na maior parte dos casos, a escolha dos nomes partiu dos próprios autores. Exceto quando houve múltipla solicitação. Muita gente, por exemplo, pediu para escrever sobre Chico (a Rita levou). Em nome da soberania nacional, Nuno Ramos protestou contra a entrega de Caymmi a Lorenzo Mammì: "autor de um ensaio definitivo sobre João Gilberto, autor também de uma introdução antológica sobre Tom Jobim --e agora Caymmi?!" Mas quem poderia reclamar de escrever sobre Paulinho da Viola? (Nuno certamente não reclamou.) Pedro Alexandre Sanches perdeu, com isso, a oportunidade de escrever sobre Paulinho; mas quem poderia reclamar de escrever sobre Lenine? (Pedro certamente não.) O que tirou as chances de Maria Rita escrever sobre Lenine, mas essa não pode mais reclamar de nada.
"Quando penso no futuro, não esqueço meu passado", dizia o pai de Paulinho da Viola4. Os textos a seguir não contrariam a frase; mas, em boa medida, a invertem. Pensam no passado sem esquecer o futuro. Quer dizer: voltam-se para o que foi feito e procuram, a partir disso, imaginar caminhos para nossa música.
Num tempo não muito distante --"página infeliz da nossa história/ passagem desbotada na memória/ das nossas novas gerações"5--, a música popular foi uma reserva de resistência, em plena derrocada do humano. De lá para cá, as coisas mudaram muito; nem por isso as canções deixam de guardar seu sentido mais aberto e corajoso, perpetuamente relevante. A música popular brasileira é também uma de nossas reservas mais ricas de afeto, humor, sabedoria. E as coisas mudaram para melhor, sem dúvida, de 1964 para cá; mas ninguém pode dizer que já está bom.
Entre os direitos inalienáveis que deveriam ser de todos nós, como diziam Jefferson e Adams há mais de dois séculos, estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. A vida é essa; a liberdade (pelo menos jurídica) existe. Já a busca da felicidade, no Brasil? como a felicidade é difícil. Por outro lado, existe a música popular brasileira.
1 "Jack Soul Brasileiro", em Na Pressão (1999).
2 Mesmo porque já existe a Enciclopédia da Música Brasileira - Erudita, Folclórica e Popular (São Paulo: Art Editora/Publifolha, 3a ed., 2000), com seus filhotes (Erudita, Popular, Sertaneja e Samba e Choro).
3 Por que 99? Para evitar a ilusão de completude do 100. A vaga que resta deixa um espaço aberto para todos os músicos que acabaram não entrando: de Luiz Melodia a Martinho da Vila, de Elton Medeiros a Joyce, Virgínia Rodrigues, Zélia Duncan - cada leitor saberá preenchê-la com algum nome injustiçado. Cabe salientar que um dos critérios para inclusão no livro era que fossem artistas vivos (com a triste exceção de Cássia Eller, que morreu em dezembro de 2001, quando o trabalho já estava em andamento).
4 "Dança da Solidão" em Dança da Solidão (1972). Vale lembrar que "meu pai", no caso, é um músico e tanto: César Faria, violonista do conjunto Época de Ouro.
5 "Vai Passar" (Francis Hime-Chico Buarque), em Chico ao Vivo (1999).
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