Não deixa de ser uma boa tentativa, as primeiras investidas do SINPRO-MG (Sindicato dos professores do Estado de Minas Gerais) em favor dos professores e contra a violência latente e manifesta nas escolas. Infelizmente, as propostas apareceram após o assassinato do mestre em educação física e professor Kássio Vinícius de Castro Gomes. Talvez elas até existissem, mas ainda não haviam chegado até nós. Mas nunca é tarde, visto que a violência nas escolas não é nova e a questão tornou-se séria desde a década de 80. Digo isso devido não somente à comoção oriunda da morte de nosso colega, mas das falas dos professores e professoras que ficaram para contar a história. E elas vieram de todas as formas: umas escutei, outras recebi por e-mail e várias delas recolhi nos intervalos, nas reuniões, nos periódicos e neste grande mundo virtual da internet.
A morte do professor causou mal-estar não somente entre alunos-professores, mas também entre alunos-alunos, professores-professores. Recebi mensagens pedindo "pena de morte ao aluno escroto", outras defendendo medidas repressoras e penalizáveis aos alunos agressores e aos professores que também, para muitos, carregam parcela de culpa. Não deixei de receber críticas e mais críticas às instituições de ensino particular, as quais são criticadas por receber "qualquer tipo de aluno". Muitas foram as lembranças de casos ocorridos em todo o Brasil. Assim veio à memória o caso da professora que teve braços e dentes quebrados em Porto Alegre (RS), da professora do ensino médio que foi atacada a chutes e pancadas na capital de Minas Gerais, da diretora agredida a pedradas em um colégio estadual de Florianópolis (SC), da diretora que apanhou de alunos e amigos dos alunos no meio da rua em Juiz de Fora (MG) e do caso recente do estudante universitário Lucas Zebral de Melo Albuquerque, aluno da FUMEC (Fundação Mineira de Educação e Cultura), em Belo Horizonte, que foi condenado por injúria contra um professor. Os relatos das testemunhas apontaram que ele dava "encontrões propositais", além de "insinuar", com "expressões chulas", que o docente seria homossexual.
De qualquer modo tentei resumir as narrativas em três blocos não excludentes e complementares. O primeiro bloco de narrativas tem por alicerce que a "a violência está não somente no nível superior". Os docentes contaram casos de professores que "apanharam feio de alunos", que foram "vítimas de agressões verbais", "furtos", "roubos", "carros quebrados", "carros arranhados" e "xingamentos". Apontaram como problema as políticas públicas voltadas à educação e "não acho que as coisas podem melhorar". A violência estaria pior na educação em nível médio e fundamental "onde a droga come solta" e "alunos e alunas só pensam em sexo, conversa e vadiagem". Um professor chegou mesmo a dizer "que não deixa a profissão porque não sabe fazer outra coisa, mas que tem dias que pensa em se matar porque não aguenta mais o descaso do Estado e a falta de interesse dos alunos". Uma docente, que já havia sido minha aluna, disse que certa feita não apanhou porque "o traficante perto da escola não deixou a mãe do aluno bater". Como se vê, e por falta de linhas não vou alongar por aqui, é possível perceber que a violência está presente não somente no nível superior, mas no ensino médio e fundamental e que, pela faixa-etária dos meus colegas não é tão nova assim.
O segundo grupo de narrativas chama atenção para a "gradação" do tipo de violência. Um deles disse: "no fundamental o aluno belisca, te joga lápis, água, faz piada e até te bate na perna. No ensino médio fura o pneu do seu carro, te chama na porrada, ameaça na internet e por aí vai e, no ensino superior, como a gente vê, a coisa já está é na facada mesmo". Embora tenha sido uma conversa emocionada a comparação colocou em tela o agressor que já estaria em maturação desde a infância. Ele cresce e se enche de hormônios na adolescência e se transforma em um predador após alguns períodos no "ensino superior". Longe dos exageros, a questão é séria e, como já disse, merece ser entendida como problema de segurança pública. Alunos tem andado armados em salas de aula: uma professora disse que "morre de medo de dois alunos que em sua sala só andam armados com a justificativa de serem policiais". Outra disse que já teve que "escutar calada os gritos de uma aluna que se gabava em pagar o seu salário". Aparentemente, e não por acaso, as mulheres são as maiores vítimas, pois das mensagens que recebi uma professora afirmou "que chora toda vez que um aluno a desrespeita e que não percebe isso nos professores que são homens". Também neste caminho encontrei a famosa pérola, ouvida várias vezes em meio aos policiais: "hoje eu disse para minha mulher que saio para trabalhar, mas não sei se eu volto". A frase, apesar de cômica no lugar no qual foi dita, não deixou de produzir algumas respostas como: "Eu já pensei nisso", "É! O trem ta feio", "Daqui há pouco é isso mesmo" e "Quero ganhar insalubridade e periculosidade". Em tais narrativas identifiquei professores medrosos, frágeis fisicamente, extremamente ternos e fleumáticos, o que justifica a fala da pequena e bela professora, já desencantada com o mundo da educação: "Eu estou com medo dos meus alunos".
O último grupo de narrativas apontou para a necessidade de que "alguma coisa deve ser feita". Os docentes que escutei com atenção disseram da importância da existência de "normas" e "regras claras no ensino", principalmente nas redes particulares, as quais "andam a vender diplomas como água em parada de sinal". Comentaram sobre alunos passando sem mérito e sem a possibilidade de aprovação. Assinalaram para a perda da autoridade e do respeito, justamente porque a ideologia do "PP - Pagou Passou" está valendo desde o momento em que o MEC abriu as portas para o ensino privado. Sem normas e fiscalização, os "alunos acham que são deuses" e "que pagam os salários dos professores porque na verdade são clientes" e não discentes ou profissionais em formação. Na realidade, as falas são conhecidas no meio dos denominados "trabalhadores da educação" e não tenho dúvidas que o MEC é co-responsável por essa situação. De todo modo, existe uma crença nascendo de que "as coisas vão melhorar", de que "a educação é a melhor saída para as sociedades" e que "episódios como o do mestre em educação física não podem se repetir". Aprendi que professores são esperançosos, generosos e sofrem com o sofrimento dos alunos. Um discurso foi quase unânime: "é preciso salvar a educação". A fala é interessante porque o docente que leciona em nível superior sabe que é do ensino médio que o seu trabalho depende e nada como melhorar a qualidade da educação dos seus "clientes".
Finalmente, gostaria de terminar deixando clara minha preocupação em relação aos professores que, embora passem pelos mesmos problemas e constrangimentos, tem tentado diminuir a gravidade dos fatos. Muitos deles são coordenadores, supervisores, diretores, orientadores, tutores, estão em cargos de chefia ou comungam com as ordens dos proprietários dos estabelecimentos escolares que não se preocupam com o corpo docente. Em geral, são executivos da educação que pouco sabem de didática, política pedagógica, planos de ensino ou sala de aula. Muitos jamais enfrentaram turmas de 40, 60 ou 80 alunos. É deste pessoal que tenho o maior receio, pois são eles que recebem as "reclamações", os e-mails ocultos, as cartas os abaixo-assinados e, em geral, levam para o campo pessoal assuntos que são pedagógicos e estão atrelados a uma determinada conjuntura e história. Como disse uma amiga, eles ajudam a plantar e cultivar a dúvida entre os professores, alunos e corpo dirigente. Praticamente produzem dois lados dicotômicos que aparentemente devem estar em constante conflito. Existem casos em que tais coordenadores operam como verdadeiros proprietários da instituição e não deixam de distribuir "queixas", "advertências" e "chamadas de atenção em plena reunião". Sinceramente, a diferença deste docente-coordenador para o aluno que decidiu matar o professor é só a faca. A morte social, a baixa estima, a síndrome de burnout e as várias moléstias que vem atacando o corpo docente é nada mais que o resultado de nossa falta de respeito com o outro, do direito inegociável do contraditório, da aceitação das limitações, da tolerância sempre viva e da construção de uma pedagogia do cuidado. Não custa lembrar que somos seres vulneráveis, frágeis, caminhando em tempos pós-modernos com certa dificuldade em um mundo carente de valores, utopias e sentidos de vida, com uma única certeza: "a vida é curta e a morte é certa".
Lúcio Alves de Barros*
é mestre em sociologia e doutor em Ciências Humanas pela UFMG. Professor na FAE (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).
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