terça-feira, 28 de dezembro de 2010

JOSÉ PASTORE - O Estado de S.Paulo

          Os parlamentares de Quênia, numa tacada só, igualaram seus salários aos dos congressistas dos EUA: US$ 14.500 por mês. Um escândalo.
Em oito minutos os parlamentares do Brasil passaram seus salários para R$ 26.700 mensais. Levando em conta que eles recebem 15 salários por ano, são R$ 33.375 por mês, ou seja, cerca de US$ 19.600. Foram além dos seus colegas do Quênia e dos EUA!
          Não tenho dados do mundo inteiro. Mesmo assim, dá para ver que os brasileiros são ousados. No Japão, os parlamentares recebem o equivalente a US$ 15.200 por mês; no Canadá, US$ 12.177; na Alemanha, US$ 10.137; na Inglaterra, US$ 8.858; na Itália, US$ 7.235; em Cingapura, US$ 4.170; na US$ Espanha, 4.121; na Índia, US$ 1.107.
         Para 2011, os congressistas tailandeses se deram um aumento de 40%, o que elevou seus salários para o equivalente a US$ 2.066. Está nas ruas uma campanha de protestos que considera a maioria dos parlamentares incompetente e não merecedora daquele aumento. No Brasil, o deputado Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, se disse feliz por ter chegado à Câmara dos Deputados num dia de sorte - o do generoso aumento.
         Com raras exceções os parlamentares celebraram o aumento, dizendo não temerem um desgaste eleitoral porque, na antevéspera do Natal, um assunto como esse sai de pauta em poucos dias. Além do mais, eles estão a quatro anos do próximo pleito. Como no passado, escândalos maiores farão os eleitores esquecerem o atual.
         Tudo isso acontece no momento em que os próprios congressistas são convocados pelo governo para ajudar a cortar despesas de custeio que cheguem a 3,1% do PIB de 2011 - uma meta bastante difícil. O ministro Guido Mantega acredita que isso só pode ser conseguido por meio de um patriótico pacto de contenção de gastos. Será que os congressistas participarão desse pacto depois dessa bravata?
         O Congresso da República Checa aprovou um corte de 5% nos salários dos parlamentares, do presidente do país, do primeiro-ministro, dos magistrados e dos promotores para ajudar a reduzir o déficit público. Os congressistas dos EUA congelaram seus salários por dois anos e há propostas de corte de 5% a 10% para 2012. Os deputados da Califórnia e de Michigan cortaram seus salários em 30%, reduzidos para cerca de US$ 6.600 por mês. Entre nós, o aumento foi de 62%, chegando a US$ 19.600 por mês em um país onde o salário médio equivale a US$ 880 e o salário mínimo, a US$ 300.
Essa análise exclui os benefícios não salariais dos deputados e senadores. A comparação é de salário contra salário. Os disparates são gritantes e de graves consequências. Como os salários dos deputados estaduais e vereadores estão atrelados aos dos parlamentares federais, a cascata irá longe. Para 2011, estima-se um gasto adicional de R$ 2 bilhões em todo o País, e isso vai continuar nos anos seguintes com chance de subir mais. Os impactos se propagarão também para os magistrados, procuradores e outros profissionais da esfera pública.
        Sem entrar no mérito da questão, um aumento dessa ordem, aprovado em tempo relâmpago nas duas Casas do Congresso Nacional, é vergonhoso e humilhante. Um verdadeiro deboche. Mais vergonhosa, para não dizer obscena, é a Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Congresso atrelando os salários dos parlamentares - automaticamente - aos dos ministros Supremo Tribunal Federal (STF). Se aprovada, a nova sistemática dispensará os parlamentares de aprovarem todo ano os seus próprios vencimentos: irão de carona nas decisões do STF, poupando o desgaste junto à opinião pública.
         Mas, em 2007, foi o próprio STF que anulou um aumento de 90% que os congressistas deram a si mesmos no apagar das luzes de 2006. Será que isso ocorrerá em 2011? Com a palavra, os nobres ministros.
PROFESSOR DE RELAÇÕES DO TRABALHO DA FEA-USP. SITE: http://www.josepastore.com.br/
 

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