Com a expansão das vagas e a adoção de ações afirmativas, a universidade brasileira vive hoje o maior desafio de sua história. Esses fatos marcam o início do ainda tímido processo de democratização do ensino superior que não se restringe mais ao universo do acesso e da permanência de alunos de grupos sociais que historicamente não freqüentavam a universidade.
Mais de noventa instituições no Brasil adotaram algum tipo de política afirmativa de reserva de vagas. Essas medidas atendem a vários seguimentos sociais dependendo do modelo escolhido pela universidade ou pelo poder público. Há reserva de vagas, ou cotas como são mais conhecidas essas políticas, que contemplam a população negra, a população indígena, estudantes de escolas públicas, estudantes de baixa renda e outros.
Uma política de ação afirmativa não é sinônimo de cotas nas universidades, as cotas são uma modalidade de ação afirmativa, isto é, reservar vagas para um grupo social específico é somente uma dentro de várias possibilidades de se concretizar uma ação afirmativa. O que está colocado para a universidade hoje, entre outras demandas, é a superação de dois mitos ou dois equívocos de interpretação que descrevo a seguir.
O primeiro refere-se à constante e insistente assertiva que circula nos corredores universitários, de que alunos cotistas ou de baixa renda estariam “baixando o nível de excelência das instituições”. Esse pensamento vem à tona a partir do momento que a formação do professor universitário é colocada em xeque. Isso mesmo! O professor mais “bem colocado” na escala do magistério é o que enfrenta o déficit formativo de tipo político, pedagógico e metodológico mais recente.
O modo de trabalhar com os alunos, de organizar o currículo, de planejar as disciplinas e de avaliar, via de regra, segue o mesmo daquela academia que sempre foi ocupada por uma classe social e um grupo étnico. Entretanto, hoje a diversificação dos sujeitos existe e vem aumentando, começam a aparecer preconceitos adormecidos e as práticas engessadas na lógica tradicional passam a sofrer resistências. Há de se fazer uma inversão interpretativa no que se refere a essa sensação de perda de qualidade, a primeira pergunta a ser feita é: de que qualidade está se falando?
Acredito que a sensação de perda de qualidade no ensino ou na pesquisa se dá mais pelo fato da universidade contemporânea não conseguir responder as demandas que a sociedade a impõe. Os grandes problemas sociais, as mazelas ambientais e estruturais não encontram alternativas resolutivas na universidade e é daí que advém a sensação da perda da qualidade, e não do fato de grupos sociais historicamente excluídos passarem a freqüentar o ensino superior. Inclusive é com a chegada desses grupos que a universidade se munirá, caso encampe um processo de democratização valorizando as culturas populares, de elementos para melhor interpretar os desafios colocados pela sociedade nacional e regional.
O segundo mito é o de que a cultura considerada popular não pode conviver mesclar-se e produzir conhecimento em alto nível. A noção de alta e baixa cultura é atrasada e justifica, entre outras coisas, o racismo institucional e o preconceito. A excelência acadêmica não é garantida pelo fato de ser desenvolvida por pessoas “de berço” e brancas — são essas que historicamente produzem ciência pelo fato de monopolizarem esse espaço como um dos seus principais privilégios sociais.
Devido a esse cenário, muitos especialistas da educação afirmam que a ciência tem cor no Brasil, e é branca, pois historicamente se exclui a população negra através de um cruel processo de exploração, sustentado contemporaneamente pelo discurso da baixa e da alta cultura ou pelo discurso da excelência. Há um padrão hegemônico que define o que é conhecimento de alto nível, assim como diz qual é a qualidade almejada pelas instituições.
Problematizar esse padrão e ao mesmo tempo tencionar a formação dos docentes universitários e gestores é condição sine qua non para encarar os desafios que a universidade está enfrentando. Os educadores brasileiros devem ficar atentos a esse tema para incluí-lo no Plano Nacional de Educação que orientará as políticas da próxima década no país.
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