sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

olá, SOU DOUTOR FULANO DE TAL, SEU ENFERMEIRO_ESTE TEXTO FOI RETIRADO REVISTA "CIÊNCIA HOJE" DA "SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA_SBPC".UMA REVISTA SÉRIA E COM RIGOR CIENTÍFICA. O TEXTO ESTÁ NA SEÇÃO "SINTONIA FINA" NAS PÁGINAS 18 1 19 DO MES DE NOVEMBRO. É PARA PENSARMOS NESTA HISTÓRI DE DOUTOR.

O Neiv York Times deu destaque a assunto que (in)diretamente tem muito a ver com o Brasil. E, apesar de só esbarrar em questões da ciência, vale explorá-lo aqui.
Antes, porém, algum contexto.
Engenheiro estrangeiro que viveu cerca de 10 anosno Brasil, ao ser perguntado sobre sua pior impressãodo país, sem titubear, dispara: “A de ser chamado do outor”. O interlocutor pede explicação. E vemela: o fato de os mais pobres e humildes aplicarem esse título aos mais abastados. Por aqui,o qualificativo, por vezes, é também imposto de cima para baixo. Caso emblemático: um juiz que conseguiu na justiça — e o mais impressionante é o fato de um colega, desembargador, ter cedido ao pedido — liminarexigindo que o porteiro do prédio dele o chamasse... ‘doutor’.
Em tempo: o lado justo da história foi que a mídia fez pouco do ‘doutor’ e, mais tarde, a liminar foi cassada por juiz de bom-senso — este, sim, vale ter o nome citado aqui, Alexandre Eduardo Scisinio—, que alegou: “Doutor não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento.
Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau. e mesmo assim no meio universitário”. Perfeito.]
No Brasil, tem sido costume chamar ‘doutor’ os portadores dos diplomas das três profissões imperiais; médicos, advogados e engenheiros. E, nas últimas décadas, tudo indica, basta ocupar um cargo de chefia (ou ter poder) para ser elevado a tal nível. Por aqui, doutor (ou professor doutor), como apontou o sábio juiz, é aquele que defendeu tese de doutorado em instituição reconhecida pelo governo — o irônico é que esses, em geral, não fazem questão do título.
Voltando ao NYT. Enquanto, no Brasil, todos com algum status social parecem ser ‘doutores’, nos EUA o termo é sinônimo de médico — mas, vale ressaltar que, lá também, nada tem a ver com o título de doutorado.
Desde 2004, nos EUA, para praticar a profissão, farmacêuticos devem ter o título de doutor. A partir de 2015, a exigência se estenderá a fisioterapeutas e enfermeiros. A alegação nada tem a ver, dizem esses conselhos de classe, com ser ou não chamado ‘doutor’, mas, sim, com aperfeiçoamento profissional.
Ano passado, informa a reportagem, cerca de 150 faculdades formaram em torno de 7 mil doutores em prática de enfermagem, título que leva algo como três anos a mais de estudo, após completada a graduação. Enfermeiras anestesistas também precisarão do título em breve. Ao todo, o país tem algo como 375 mil mestres e 28 mil doutores em enfermagem.
As entidades de classe médica se dizem contra, pois temem perder o ‘doutor’ que os identifica por séculos, alegam. Estados norte-americanos já proibem
o vírus veio de uma proteína (no vocabulário da área, imunoglobulina G ou IgG) que reconhece e se liga a V2, porção pouco estudada — eufemismo para ignorada — das proteínas da superfície do HIV. Pessoas cujo organismo produz essa proteína, segundo as análises, têm 43% a menos de chance de contrair o vírus.
Já aqueles que produzem a proteína IgA apresentaram risco 54% maior de contrair o HIV, comparados a indivíduos sem esse anticorpo.
Na prática, tudo isso pode soar como minúcias bioquímicas, e os autores reafirmam aquele discurso do otimismo cuidadoso, chavão nessas horas: é só uma hipótese, uma suspeita etc.
Eu enfermeiros, farmacêuticos e fisioterapeutas se designem ‘doutores’ sem, em seguida, identificarem sua profissão.
médicos, por sua vez, dizem que o uso generalizado do ‘doutor’ poderia confundir o paciente.
A reportagem do NYT diz que, por trás da querela, estão autonomia, briga por maiores salários e poder para prescrever medicamentos. Dos 51 estados norte-americanos, 23 deles permitem que enfermeiros façam consultas sem supervisão ou colaboração de médicos no Brasil, enfermeiros podem fazer a chamada consulta de enfermagem, bem como prescrever medicamentos e exames, desde que esses itens constem de um protocolo autorizado por cada município.
Para um dos representantes de classe dos médicos entrevistados pelo diário norte-americano, a obrigatoriedade do título é apenas um subterfúgio para obter independência para praticar exames e prescrever. Para a presidente do Colégio de Enfermagem dos EUA, isso não é verdade. Ela alega que enfermeiros estão orgulhosos com a profissão e, se quisessem ser médicos, teriam ido para a faculdade de medicina.
Seja lá, seja aqui, sob o título ‘doutor’, escondem-se interesses e mazelas. Lá, parece ser questão de corporativismo de classe e de reserva de mercado; aqui, resquício de uma desigualdade social de séculos, que (ainda) divide o país em ‘doutores’ e ‘não doutores’.
E, no final das contas, como resumiu um doutor (de verdade) ao escutar sobre a história do juiz exigente:
“Senhor e senhora são tratamentos de respeito; portanto, apropriado a todos.”

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